Para neuropsicóloga, é importante manter uma rotina de estudos e estimular o desenvolvimento de habilidades por meio da convivência familiar
Conscientes do importante papel que exercem na vida das crianças, diante de um cenário inusitado e tão incerto de pandemia e ajustes de rotina, muitos pais acionaram o modo ‘autocobrança’, inclusive, no processo de ensino e aprendizagem dos filhos, imaginando que têm o dever de dar aula em casa. Não há dúvidas do protagonismo que o pai e a mãe têm no desenvolvimento das crianças, porém, é preciso entender que eles não têm a obrigação de substituir os professores.
A psicóloga Cíntia Barbizan, especialista em Neuropsicologia, explica que a família precisa manter uma rotina, focar na convivência e aproveitar o momento para desenvolver habilidades cognitivas das crianças, como ensiná-las a colaborar com tarefas do lar, a controlar as emoções e também a passar por dificuldades. É tempo de cuidar das relações e procurar alternativas que favoreçam a saúde mental.
O que os pais podem fazer para estimular o aprendizado dos filhos em casa em tempo de isolamento?
Os pais podem aproveitar todas as oportunidades para aprendizado. Não é só durante as atividades escolares que as crianças aprendem. Às vezes, vendo um filme podemos ensinar vários conceitos. Fazer um bolo juntos, organizar as roupas no armário por tipos, tamanho e cores, ler um livro. Essas atividades do dia a dia podem ser estímulos para a criança perceber que o ambiente é fonte de aprendizados e descobertas.
Diante do novo, é comum que o sentimento de insegurança tome conta das famílias e, muitas vezes, elas queiram fazer as vezes dos professores do filho. Quais os prejuízos deste tipo de atitude para a criança e para os próprios pais?
Acho que o principal é o desgaste na relação com o filho. Mãe é mãe, pai é pai e professor é professor. Cada um tem seu papel de importância e um não exclui ou substitui o outro. O que poderia ser um tempo de convivência familiar acaba se tornando espaço para discussões, cobranças, choro e nervosismo para todos.
A quarentena não é um período de férias, mas é um momento atípico que pode causar essa sensação nas crianças. Como lidar com isso de forma que elas sejam estimuladas a manter a rotina de estudos (ainda que de maneira diferenciada)?
Principalmente, mantendo uma rotina mínima. A criança acaba entrando no ritmo que a casa tem, se a família toda sai da rotina a criança também irá sair. Sabemos que exceções vão acontecer nesse momento, como uma hora a mais de sono ou aumento no consumo de determinados alimentos. Porém, é preciso que a família toda tente manter pelo menos uma parte da rotina funcionando. Por exemplo: dormir e acordar no mesmo horário ou fazer todas as refeições ou mesmo horário para as tarefas escolares. A persistência nesse comportamento vai fazendo dele um hábito na quarentena.
Para que o cérebro das crianças se mantenha ativo é preciso “dar aula” em casa?
Não é preciso dar aulas em casa para que o cérebro fique ativo, a importância da atividade é para que a rotina de estudo não se perca nesse tempo, mas isso não é contabilizado em quantidade de horas e sim na qualidade desse tempo. É muito mais saudável que a criança faça uma atividade pedagógica com funcionalidade do que fique várias horas exposta a conteúdos que ela não consiga assimilar, pois não está habituada ao formato online. Sem contar o estresse mental que isso causa.
Em termos de tempo de abordagem de conteúdo, há diferença entre as crianças da Educação Infantil e do Ensino Fundamental nas aulas presenciais e, consequentemente, nas aulas online. Qual a importância de adaptar o tempo e frequência das atividades de acordo com as faixas etárias?
As etapas do desenvolvimento infantil continuam as mesmas, o sistema online não fez com que isso mudasse, só houve alteração no formato das aulas. Portanto, uma criança que está na Educação Infantil continua dando conta das mesmas coisas de antes, sua capacidade de compreensão e tempo de concentração continuam iguais. O online deixou ainda mais marcada a limitação que ela tem com relação ao aprendizado porque precisa muito mais de um ambiente lúdico, o tempo de concentração é menor do que em uma sala de aula e ela necessita da mediação dos pais constantemente, coisa que na escola quem faz é a professora. Quanto menor a criança, menor é o seu tempo de concentração e, consequentemente, mais trocas de atividades ela faz. Conforme vai crescendo, esse tempo vai aumentando. Por isso, a dinâmica de sala de aula da Educação Infantil é muito mais ativa que a do Fundamental. Sendo assim, não tem como comparar o tempo e o formato das aulas entre as séries porque as crianças têm idades diferentes, estão matriculadas em anos diferentes e as propostas continuam sendo baseadas no desenvolvimento delas.
Qual é a sua avaliação sobre o ensino conteudista neste período atípico? De alguma forma ele traz benefícios para as crianças? O que seria o ideal em se tratando de ganho pedagógico e de aprendizagem?
Não vejo o conteudismo como algo benéfico. Infelizmente, nosso sistema de ensino se baseia nesse formato ou pelo menos força a acreditarmos que esse formato é o mais correto. Porém, vale pensar se é mais válido saber muitos conteúdos ou saber como aplicá-los ao longo da vida. Vemos crianças em ambiente clínico com excelentes resultados pedagógicos, porém, com baixíssimo rendimento em habilidades socioemocionais.
Você acredita que o prejuízo pedagógico que pode resultar deste período será, de fato, significativo? Cabe aos pais se preocuparem com isso ou precisam concentrar suas forças no relacionamento com os filhos e no desenvolvimento de novas competências sociais e emocionais?
Na minha visão, os conteúdos podem ser recuperados ao longo do tempo, porém, a vivência desses momentos não. A aprendizagem não depende somente de conteúdos escolares, ela pode acontecer a cada minuto que a criança observa, conversa, ri, imagina, se relaciona, brinca, desenha, inventa história, faz rima, conta piada. Tudo isso é aprendizado. Os pais precisam pensar mais nisso.
Especialistas afirmam que o melhor horário para a criança se dedicar aos estudos é aquele em que ela frequenta a escola. Você concorda? No caso de pais que têm mais de um filho para acompanhar em aulas ao vivo, por exemplo, qual é a melhor alternativa?
Se a rotina de horários puder ser mantida é bom, porém, se não for possível não sofra por isso. É muito melhor a família se ajustar à nova realidade de horários imposta pela pandemia do que se sacrificar para cumprir o horário de aula preestabelecido. Sempre há tempo de ver o conteúdo que está sendo dado pela escola.
A execução de atividades que não sejam escolares, como exercício físico, brincadeiras e tarefas domésticas podem contribuir com a aprendizagem das crianças neste momento?
A gente pode tirar proveito para a aprendizagem em tudo que as crianças fazem. O cérebro delas está em constante movimento de sinapses, muito mais que o nosso. Então, em uma brincadeira se pode aprender muito mais do que em uma tarefa escolar, por exemplo.
Fale um pouco sobre os cuidados com o uso excessivo da tecnologia, especialmente agora que ela está ainda mais presente no dia a dia das famílias.
Ainda não houve mudanças nas regras para uso das tecnologias. A Sociedade Brasileira de Pediatra apenas divulgou uma flexibilização para elas: até os 2 anos continua proibido o uso, porém, após essa idade não há mais tempo estabelecido como antes. Agora, é muito mais importante o conteúdo do que o tempo de exposição. Mas o uso ainda precisa ser controlado e supervisionado.
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