Diante de tantas perdas, psicólogas mostram que é possível reconhecer ganhos que vão além do currículo escolar
“Este ano já está perdido”. Seja como afirmação ou interrogação, a frase tem permeado diálogos em todos os cantos, em todas as áreas, e não é diferente na Educação. Com frequência, pais, alunos, educadores e gestores trazem a questão à tona, afinal, todos estão diante de um contexto novo que traz inúmeras incertezas. Mas, independentemente do que se esperava deste ano, ele não parou, continua seguindo sua marcha, ainda que bem mais lenta. E sempre é possível aprender.
O momento é propício para direcionar o olhar para além do currículo escolar, é uma possibilidade de reconhecer e dar força ao conhecimento gerido dentro de casa, do desenvolvimento de competências socioemocionais tão importantes para o aprendizado, que ultrapassam questões de Matemática, Português e Ciências.
Para Cynthia Borges de Moura, doutora em psicologia clínica e professora universitária, a pandemia é uma oportunidade singular que os adultos e as crianças estão tendo para desacelerar. É tempo de aproveitar para fazer as coisas mais devagar, compartilhar momentos em família, ensinar as crianças a lidarem com frustração, com o tédio, com o tempo livre, retomar brincadeira manuais reais – e não apenas virtuais -.
Controlar os instintos para sair, inventar atividades para fazer em casa, melhorar a convivência familiar e participar de atividades domésticas também são aptidões que podem ser estimuladas durante a pandemia e que, somadas às competências cognitivas, são muito importantes para o ambiente escolar e também para o desenvolvimento como um todo.
Em tempos de isolamento social, muitas famílias têm passado o tempo juntas, mas nem sempre estão unidas. Para ajudar a estreitar os laços afetivos, Cynthia dá algumas dicas e afirma que os pais não precisam fazer grandes rebolados para estarem unidos aos filhos neste momento. Basta incluir as crianças nas atividades do dia a dia, como ajudar a colocar a mesa na hora da refeição, ter um momento sem telas, incentivar que elas leiam piadas de livrinhos para contar no dia seguinte, reservar um momento para história antes de dormir, fazer um passeio em volta da quadra (mesmo que de máscara) e também resgatar jogos antigos de tabuleiro.
Ela observa, no entanto, que embora o momento seja favorável para novos aprendizados, como os adultos estão muito impactados, muitas vezes acabam passando para as crianças ansiedade, nervosismo ou gritam demais com elas. “Isso vai ter impacto, inclusive, já estou recebendo no consultório crianças deprimidas, que voltaram a fazer xixi na cama, com dor de cabeça, que não estão dormindo, que não estão comendo, que só choram”, comenta.
Novas habilidades
A diretora educacional d’O Peixinho, Daniele Zoéga Della Barba, reconhece que em 2020 estão existindo muitas perdas, porém, também vê ganhos, como a aquisição de novas habilidades relacionadas ao mundo eletrônico, por exemplo. “Se não fosse esse momento, os nossos alunos não teriam o conhecimento que têm hoje dos aplicativos de videoconferência, de manuseio de câmara, de microfone e da plataforma LMS. Eles aprenderam a participar de uma live, a prestar atenção, a se expressar e ouvir o outro mesmo remotamente”, afirma. Justamente por visualizar, observar e vivenciar outras formas de aprendizado, para a diretora, que também é psicóloga, 2020 não é um ano perdido.
Com relação às perdas, ela considera que, talvez, o prejuízo maior seja referente às interações sociais das crianças com os amigos, professoras e com o espaço escolar.
Aprendizagem acadêmica
Daniele observa que o deficit na aprendizagem será percebido de acordo com a realidade de cada escola, considerando a forma que cada uma está conduzindo suas atividades neste ano atípico. N’O Peixinho, por exemplo, são realizadas aulas remotas diariamente, mantendo o aprendizado do currículo de cada série, de forma que as aulas online têm sido uma alternativa positiva neste período de quarentena.
“Nós podemos dizer que a criança aprendeu tudo que é pertinente à série? Não, mas temos condições de fazer uma avaliação no ano que vem para saber o que os alunos aprenderam e o que vai precisar ser revisado, retomado e remodelado para 2021”, explica.
Para a diretora, o remanejamento de alguns conteúdos para o próximo ano não será uma sobrecarga desde que sejam trabalhados sem pressão para a criança ou para o professor: “Tem que ser dado de uma maneira muito tranquila, pensando, inclusive, em outras alternativas, como através de brincadeiras, por exemplo”.
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