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‘As relações estabelecidas na escola até superam o aprendizado’

‘As relações estabelecidas na escola até superam o aprendizado’

Psicóloga avalia prejuízos e benefícios das aulas remotas em tempos de covid-19

Com a chegada da pandemia, há pouco mais de 1 ano, todos os setores precisaram buscar alternativas para a nova realidade. Com as escolas não foi diferente. Em um primeiro momento, por meses, tiveram de fechar seus portões e, muitas delas (principalmente da rede particular) passaram a oferecer aulas no formato online. Quando foram autorizadas a reabrir, as instituições de ensino optaram pelo ensino híbrido, que dá opção de escolha para os pais que desejam enviar seus filhos para a escola e também para os que preferem que eles permaneçam participando das aulas em casa.  

Se por um lado, o formato online estimulou o desenvolvimento de novas aptidões, como resiliência emocional, abertura ao novo e criatividade, por outro, trouxe prejuízos emocionais e de aprendizagem resultantes do isolamento social, mudanças de rotina e dificuldades de compreensão decorrentes do estudo a distância. 

Para ajudar os pais a entenderem os benefícios e prejuízos do ensino híbrido e as novas questões emocionais que surgiram entre as crianças nesse período pandêmico, O Peixinho realizou uma entrevista exclusiva com a psicóloga Ana Claudia Paranzini, especialista em psicoterapia infantil e adolescente.

Conforme ela observa, uma das coisas que ficou mais evidente para os psicólogos desde que o coronavírus se espalhou foi o misto de sentimentos nas crianças. Ao mesmo tempo que, no começo, algumas acharam que seria legal não ter de ir para a escola e acordar mais cedo, por outro lado, passaram a sentir a ausência dos amigos. “Inicialmente, as aulas online foram uma alternativa remediativa a tudo que estava acontecendo. Jamais havia se pensado nessa possibilidade”, pontua. 

Com o novo formato de aula, as crianças passaram a se relacionar com os colegas de uma forma diferente. As mais velhas, interagindo mais, pela liberdade de terem o próprio WhatsApp e jogos que permitem entrosamento a distância, e as menores sofrendo um impacto maior por dependerem dos pais fazerem chamadas para que possam interagir com os amigos. Embora o contato com recursos tecnológicos seja importante para essa geração tecnológica, ele trouxe algumas dificuldades, como timidez para aparecer diante da câmera ou receio para se expressar. 

“Vi com bastante recorrência crianças com dificuldades de abrir a câmera do computador ou do celular e falar alguma coisa, tanto aquelas que já poderiam apresentar uma certa dificuldade no presencial para fazer perguntas para a professora e interagir quanto as que talvez nunca tiveram esse problema e vieram a ter”, relata a psicóloga. Por outro lado, como ponto positivo, ela destaca a continuidade do ano letivo: “Ele não ficou parado, muito embora existam questionamentos sobre o aprendizado das crianças, mas num primeiro momento, esse não seria o foco”.

Ensino híbrido

Diante da manutenção de um cenário pandêmico negativo e da impossibilidade de todos os alunos retornarem ao ambiente escolar, o ensino híbrido tornou-se uma opção. “Em termos de aspectos emocionais, eu acredito que as relações sociais que são estabelecidas na escola até superam o aprendizado em ordem de importância”, afirma. Ana Cláudia observa ainda que é mais fácil recuperar os prejuízos acadêmicos do que os emocionais, visto que a questão emocional é extremamente importante para que a criança possa desenvolver todas as suas potencialidades e até para desenvolver a aprendizagem em si e a competência acadêmica. 

“Sendo assim, o ensino híbrido proporciona que as crianças voltem para o contexto escolar e possam desenvolver as habilidades acadêmicas e também as relações com os colegas. Não temos outra maneira de proporcionar esse tipo de aprendizagem escolar e interação entre as crianças. É a forma mais apropriada que encontramos para resolver a situação neste momento”, comenta.

Ansiedade

Com o distanciamento social e a necessidade de ficar mais tempo em casa, muitas famílias tiveram conflitos reais por permanecerem mais tempo juntas e terem dificuldade de lidar com as situações do cotidiano. Com isso, alguns problemas comportamentais e emocionais das crianças foram potencializados, e muitos pais acabaram enxergando um outro lado do filho que, talvez, não estava tão claro para eles, como algumas dificuldades e aspectos emocionais, por exemplo. 

“Uma das coisas que nós psicólogos percebemos, é que aumentou a queixa dos pais relacionada a problemas com ansiedade das crianças. Elas ficaram mais preocupadas, mais ansiosas, com receio do que iria acontecer e com dificuldade com o relacionamento social propriamente dito”, relata, justificando que esses fatores foram motivados pela saída de um ambiente com várias interações e migração para um ambiente em que as interações ficaram restritas. A especialista considera que os maiores prejuízos deste novo contexto são relacionados justamente à interação social (e as dificuldades que ainda virão porque só será possível saber o real impacto da pandemia nos relacionamentos sociais da criança no retorno regular à escola). 

Impactos futuros

Estudos mostram que já é possível observar o impacto da covid-19 nos transtornos psiquiátricos, em especial de depressão e ansiedade. De acordo com pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) em 11 países, o Brasil lidera casos de depressão (59%) e ansiedade (63%) durante a pandemia. Em segundo lugar no ranking aparecem Irlanda (com 61% das pessoas com ansiedade e 57% com depressão) e Estados Unidos (com 60% e 55%, respectivamente). 

Para Ana, criar hipóteses sobre o que pode vir a acontecer com o emocional das pessoas em função desta pandemia ainda é uma tarefa difícil, pois não há uma experiência prévia similar, visto que as gerações atuais nunca passaram por uma situação tão grave por um tempo tão prolongado, no entanto, com base nas pesquisas realizadas e na experiência diária dos consultórios, é possível prever uma pandemia na saúde mental.

Observando as perdas deste período, inclusive as relacionadas ao falecimento de pessoas próximas com covid-19, a psicóloga acredita que será necessário ter uma atenção redobrada com o emocional, principalmente das crianças e dos adolescentes. “Vai ser uma geração para a qual teremos de ter um olhar muito cuidadoso e será justamente isso que fará com que entremos em ação ao pequeno sinal de algo diferente. É assim que, talvez, conseguiremos até salvar muitas vidas”, comenta. 

Mesmo quando tudo isso passar, as pessoas terão de conviver com os resquícios deste tempo difícil, não somente com os hábitos de higiene, mas também com o emocional, no entanto, segundo a psicóloga, desde que o emocional seja bem cuidado e a família bem orientada, ele pode ser resgatado. Para tanto, é necessário considerar dois pontos importantes: contar com acompanhamento de um profissional especializado que faça as intervenções apropriadas; e focar na interação social da criança que teve prejuízos por causa do isolamento. 

A orientação para quando a situação estiver controlada é promover a interação entre crianças de diversos ambientes (em casa, no prédio, com primos, na escola, com outra criança desconhecida num parque ou numa praça, em um piquenique com coleguinhas etc.) incentivando-as a fazer amizades. “Por meio de atitudes assim, os pais vão ajudar a amenizar o impacto emocional do que estamos vivendo hoje”, ensina.

 

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